quinta-feira, dezembro 29, 2005

Manifesto do Espírito


Quero deixar escrita aqui uma manifestação, uma prece, se convir a alguns. Não me interessa que os leitores disso se identifiquem ou não com meu misticismo. Não quero também, de maneira nenhuma, doutrinar ninguém. Enfim, interpretem da maneira que lhes for mais cabível. Só estou utilizando o direito e a necessidade de expressar-me.


Entram na minha casa sem convite meu. Despreocupados, realizam suas atividades sem pedir licença. E mais, julgam que não faço juízo de suas presenças. Não carregam a vontade de agradar, não lhes interessa a caridade, a solidariedade, o respeito e o melhoramento. Consideram-se muito bem colocados, convictos em seus estados. Pois que, se por minha casa desejam passar, que passem. A menor intenção, nem mesmo realizada, porém, de fazer mal a mim ou à minha família me autoriza o grito da guerra. E se é o mal que os conduz, que se faça guerra, já que o meu lado é o oposto nessa peleja. E que haja luta! Esforço-me em ser um soldado honrado e piedoso. Esforço-me também, no entanto, em ser cada dia mais forte e habilidoso. Não tenho medo de nada, porque na paz ou na guerra, quem me conduz é eternamente vencedor!

Humilde na medida do meu esforço, aceito a prova. Não me habita a crueldade, sou piedoso e justo. Mas minha bandeira é altíssima e não aceito a vitória menos que gloriosa! Meu exército aliado é poderoso, são cheios de virtude e merecimento. Abnegam-se em me auxiliar, pois compreendem minha necessidade e têm a intenção do bem, sempre. E nisso há humildade e honra, pois para eles não sou mais do que um soldado da primeira linha, muito inferior em relação a suas posições na luta.

O bom estrategista conhece bem o seu inimigo. Saibam, pois, que sei como agem, conheço suas armas e movimentos. Ao poder de me atingir, respondo com esquiva e ataque, cada dia mais precisos. Aperfeiçôo meu armamento, cuido bem do meu cavalo e sou sistematicamente assistido e instruído por meus aliados. Minha barricada é segura e não luto em trincheiras, cruzo o campo com força, cabeça erguida. Covardes! Não sabem que seus ataques furtivos e esconderijos sujos serão aniquilados sob os pés do meu cavalo e de toda uma multidão de combatentes implacáveis? Temam, pois agora mesmo sinto que o brilho do fio de minha espada estremece suas almas, afugenta-os e atormenta teus esforços! Têm razão em ter medo, pobres ignorantes.

Há uma observação a se fazer: não tomo desse espírito bélico mais do que o necessário para me proteger e aos meus. Pois digo de coração, sois meus inimigos agora mas amo-vos. A todos vocês desejo a derrota vergonhosa no objetivo de me atingir. Não desejo, porém, sua destruição. Que um dia sejamos amigos, sentemos juntos na mesma mesa e partilhemos da mesma fonte de vida, cálices cheios! Há em minhas fileiras os que vos acolherão após a tormenta, trataram suas chagas e ensinarão. Sigo aqui a orientação de meu mestre amado e líder de minha força: “Ama o teu inimigo.”

Portanto, preparem-se. Pois se pensam que me atormentam e amedrontam agora, sou eu que vos aviso: tremei de medo, sua derrota está próxima! E não voltem a me perturbar, tomem seus caminhos. Sou um soldado de carreira e tenho outras guerras a lutar, muitas que nem minhas são, sendo de irmãos meus. Aqui, em minha casa, não obterão êxito. Aqui habitam filhos amados de Deus.

segunda-feira, dezembro 19, 2005

Não-Eu, Não-Você

Jamais penso em você
Nunca sonho com você e acordo com saudade
Não crio dias, conversas, olhares entre nós
Não anseio por teu toque, nem me perturbo com ele
Nem me atenta teu nome

Jamais imaginei meu tato te descobrindo
Nunca criei a sensação de passear em teus cabelos
Não me entortei no eixo de sua lascívia
Não provoca-me desejo a proximidade dos teus lábios
Nem excede o agradável teu perfume

Jamais te assisti andar, de longe, definindo-te o mundo ao redor
Nunca soube que teus olhos são grandes, castanhos e expressivos
Não me provoca prazer que se alinhem aos meus
Não aprendi o rítimo no qual você caminha
Nem tentei desvendar-te para saber e demonstrar

Jamais contemplei tua nuca sob os longos cabelos
Nunca descobri nem reparei no teu umbigo
Não espero que te veja todos os dias
Não me aborreço com tua indiferença costumeira
Nem me alegro com tua atenção medida

Jamais tentei extrapolar teu toque, roçar teus pelos
Nunca imaginei o sabor da tua saliva
Não tento adivinhar a textura de tua língua no tato da minha
Não bolo planos para aproximar teu calor do meu
Nem tão pouco anseio pelo perfume do ar que expiras

Jamais te quis desde a primeira vez que te vi
Nunca me alegrei como som da tua voz por uma porta
Não arquiteto a compatibilidade de nossos gênios
Não me esforço em me tornar alguém querido a você
Nem meço gestos, palavras e olhares endereçados a ti

Jamais te quis
Nunca te cortejei, discreto
Não me esforço em te fazer sorrir
Não me importo o tempo todo com teu bem-estar
Nem me esforço em ser-te agradável

Jamais te arranquei segredos, distraída
Nunca deixo restos de minha presença por onde passas
Não te procuro na multidão
Não me interessam tuas manias e gostos
Nem me atreveria a dirigir-te tudo isso de outra maneira

Ah, não conheço, do Chico, o "Samba do Grande Amor", mentira...